Neste ano de 2015 completam-se 30 anos de publicação, em Portugal, do primeiro livro de terapia familiar. Foi em 1985 que eu e o José Gameiro publicámos Terapia Familiar, nas Edições Afrontamento. Esta obra está hoje, como é evidente, um pouco desatualizada, mas na altura constituiu um marco na divulgação da terapia familiar sistémica como forma de intervenção em saúde mental. Vários cursos, realizados nos anos seguintes, utilizaram o livro como manual de aprendizagem e muitos formandos elaboraram trabalhos tendo como base as nossas páginas.
Trinta anos depois, a terapia familiar sistémica evoluiu muito. Já não temos a ideia, um pouco romântica, de que uma intervenção bem feita, proposta por um terapeuta experiente, poderia conduzir a uma grande mudança. Nem temos a convicção de outrora, de que certas perturbações psiquiátricas derivavam de comunicações distorcidas nas famílias de origem. Hoje sabemos que as doenças da mente resultam da interação complexa de fatores biológicos, psicológicos e sociais, e que a intervenção deve reunir uma série de procedimentos terapêuticos ajustados a cada caso, de modo a potenciarmos sinergias para podermos ser cada vez mais eficazes.
A terapia familiar sistémica, todavia, continua a ser fundamental em muitas situações. Refiro-me a problemas relacionados com crianças, adolescentes e suas famílias, bem como as questões originadas pelas interações com sistemas sociais como a escola, o grupo juvenil e os tribunais (sobretudo na relação com o divórcio dos pais). Ouvindo a família e interagindo com ela, o terapeuta fica na posse de informações essenciais para a condução da terapia, ao mesmo tempo que mobiliza e ajuda as famílias na sua missão de cuidar.
Quando oiço dizer, na televisão, que faltam camas de internamento para tratar as perturbações psiquiátricas da infância e da adolescência, não posso deixar de concordar. Em vários distritos existe apenas um pedopsiquiatra e muitos psicólogos que se ocupam dos casos, apesar do seu meritório trabalho, necessitariam do apoio de médicos para poder levar a cabo um atendimento correto. Em muitos casos, teria sido importante falar com a família, em vez de propor um internamento, porque todas as organizações familiares, em maior ou menor grau, têm possibilidade de responder às crises e de encontrar alternativas ao seu funcionamento. A minha experiência de 35 anos de trabalho com famílias mostra que, muitas vezes, basta sermos capazes de estruturar uma conversa — em que todos os membros da família podem fazer ouvir a sua voz e escutar a de outro — para que aquele conjunto de pessoas que vive em conjunto passe a ser capaz de conseguir um nível mais tranquilo de comunicação, de onde vão emergir soluções para os seus problemas.
Num caso recente de que tive conhecimento, em que uma adolescente de 16 anos se recusa a frequentar a escola, a intervenção tem consistido em sessões mensais com pai e mãe, conduzidas por dois médicos, enquanto a jovem é seguida individualmente por uma psicóloga. Segundo relato dos pais, as intervenções terapêuticas surgem descoordenadas, sobretudo os progenitores não se sentem ajudados a lidar com a filha. Seria muito mais simples se todos falassem em conjunto, numa sessão de terapia familiar sistémica!
A terapia familiar deveria ser hoje chamada “terapia com a família”, no sentido em que precisamos de a mobilizar e depois ajudar, qualquer que seja a sua configuração atual.
Daniel Sampaio
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